domingo, 25 de maio de 2008

Queijo coalho ganha mais valor e sabor no Ceará


Jaguaribe. “És forte porque estás próximo da origem da criatura. És nutritivo porque manténs o melhor do leite. És quente, porque és gordo...”. Assim era definido o queijo nas palavras de Hipócrates (460 a 355 a.C.), considerado o pai da Medicina, possivelmente hipnotizado pelo derivado do leite. A iguaria de mais de dois mil anos ganhou o mundo e, no Brasil, o sertão nordestino quis, qual a carne de sol, prolongar o tempo de vida do leite desde a ordenha do gado. Considerado o segundo maior produtor de queijo do Nordeste, o Ceará tem conquistado maior aceitação de seu produto laticínio nos estados vizinhos. O motivo é simples: qualificação técnica de preparo e melhor higienização.

Para não levar fama de que pegou tudo “de segunda” (o queijo foi produzido e disseminado na Europa, há milhares de anos), o sertanejo usa a criatividade para reinventar o queijo em receitas pra lá de originais, principalmente com o de tipo coalho. Quem não conhece o baião-de-dois com queijo? E alguém conhece a rapadura de queijo? O Vale do Jaguaribe é o maior produtor de queijo do Ceará, herança direta da também maior bacia leiteira do Estado que hoje não é mais. Em alguns municípios, quase todo o leite produzido é destinado às queijeiras. Agora querem criar um selo de qualidade.

Ir a Jaguaribe e não comer queijo é como chegar a Juazeiro e não visitar a estátua de Padre Cícero. É certo que todo o Ceará produz queijo, mas é preciso entender o porquê da fama do Vale do Jaguaribe. A primeira comprovação foi com o concurso do Melhor Queijo Coalho do Estado, realizado no Festival de Leite (Festleite) em Quixeramobim, no início do mês. Nas categorias artesanal e industrial, os vencedores foram Jaguaribe e Limoeiro, respectivamente, ambos do Vale. Por concentrar a maior quantidade de gado leiteiro — cada cidade produz, em média 50 mil litros de leite por dia — esta região iniciou a fama do queijo pela produtividade, por conta da falta d´água pra agricultura.

Negócio

“Eu vi que o leite era mais negócio que o feijão, que tenha ‘zé’ pra colheita ser boa. Agora leite tem na seca e na cheia”, afirma seu José Capistrano, produtor de queijo em Jaguaribe. O importante é ter capim e ração de qualidade para o gado, que a ordenha da vaca proporciona uma “chuva” de leite todo ano com a alegria, substituindo a insegurança de inverno nas lavouras. Em outros casos, a fabricação de queijo surgiu da necessidade de pecuaristas darem um destino ao leite que sobrava da venda.

O funcionário público Francisco Nogueira Neto, 48 anos, criava bovinos e caprinos na comunidade de Brum, a 36km do Centro de Jaguaribe, e vendia leite para as comunidades ao redor. Quando o gado passou a produzir leite bem mais que o consumo das famílias, a fabricação de queijo foi a alternativa econômica, para um quilo de queijo são necessários 10 litros de leite de vaca. O negócio foi tão bom que substituiu o curral pela casa de queijo, hoje a principal fonte de renda da família. No Festleite, foi premiado pelo Melhor Queijo Coalho Artesanal do Ceará.

Extensionista da Ematerce, o conhecido “Neto do Brum” presta assistência aos produtores de leite e de queijo, sobre as melhores técnicas de produtividade. “Trabalho com queijo há 15 anos, mas tem três anos que vim entender o que é o leite. Explico aos produtores que a qualidade do queijo depende da qualidade do leite”. Ele recebe encomendas de turistas até de São Paulo. O quilo do queijo custa, em média, R$ 8,00 nas cidades produtoras.

A Associação dos Produtores de Leite e Queijo de Jaguaribe (Queijaribe) contabiliza apenas 30 sócios, a maioria de produtores artesanais, assistidos por órgãos como Sebrae, Ematerce, Banco do Nordeste, Embrapa e Centec. “Mas tem muito mais produtores em Jaguaribe”, afirma a presidente Ada Maria Diógenes, que anuncia o 3º Festival do Queijo Coalho de Jaguaribe, dias 10 e 11 de julho, com palestras, oficinas, exposições e concurso do melhor queijo da cidade, que tem mais de 100 fabricantes.

Quem teve também seu queijo coalho industrial reconhecido como o melhor do Ceará foi a jovem tecnóloga de alimentos e, agora, empresária, de Limoeiro, Marta Rochele, 25 anos. Ela aproveitou o conhecimento no curso de Tecnologia de Alimentos da Faculdade Centec e, após a graduação, decidiu investir no queijo. Começou produzindo três quilos da iguaria por dia em sua casa. Hoje são mais de 100 quilos de queijo em suas duas fábricas da “Lá de Casa Lacticínios”.

CULINÁRIA - Receitas criativas agregam valor ao produto

Limoeiro do Norte. Vai um queijo aí? Melhor: vai uma sopa de queijo aí? E rapadura, croquete, “fondue”, mousse, pudim, doce e até sopa de queijo coalho? Depois que o leite é extraído da vaca, passa pela casa de queijo e chega ao consumidor final, vale a criatividade para aproveitar a maleabilidade do produto e criar diferentes receitas, as mais doces ou salgadas com o produto. Esta comida, famosa desde a antigüidade, agrega valor econômico e também cultural no bolso e na gastronomia sertaneja.

Leite, bactéria (para coalhar) e tempo (para maturar). Feito isso, basta ir ao mercado central de Limoeiro do Norte, e ver no que se transformou. É parada obrigatória no box de dona Mazé Diógenes para quem quer provar um café com queijo ou um bom baião-de-dois com queijo.

Já em Jaguaribe, não se pode deixar de ir à lanchonete e provar da “Sopa de Queijo”. Sim, é cebola picada, dente de alho, caldo de legumes, cenoura ralada, água, farinha de trigo, queijo coalho recortado em cubos e coentro. Do queijo se podem fazer muitos pratos.

SAIBA MAIS - Fabricação

O queijo coalho é produto que se obtém por coagulação do leite por meio do coalho ou outras enzimas coagulantes apropriadas. Guarde o queijo em locais sem muita luz.

Cuidado

O mofo na casca do queijo é natural e deve ser removido com um pano embebido em salmoura, de água e sal. Não congele queijos, pois afeta o sabor e textura. Quando estiver em refrigeradores, retire-os da geladeira e da embalagem uma hora antes de servir.

FIQUE POR DENTRO - Receitas deliciosas a partir do queijo

Mousse de queijo coalho: Ingredientes: 2 pacotes de gelatina sem sabor; 300g de queijo coalho ralado fino; 1 lata de creme de leite; 5 dentes de alho amassados; 1 cebola ralada; 1 pimentão amarelo cortado em cubos pequenos; coentro e cebolinha picados. Como fazer: dissolva a gelatina em uma xícara (chá) de água fria e em seguida acrescente mais uma xícara

(chá) de água fervente, mexa, deixe repousar até reparar a massa do mousse; bata no liqüidificador o queijo coalho e o creme de leite; Aos poucos, junte a gelatina dissolvida e bata mais um pouco. Depois coloque numa tigela no congelador, quando adquirir consistência saboreie.

Queijo empanado: 500g de queijo coalho; 1 xícara (chá) de molho de soja; orégano a gosto; farinha de trigo; 2 ovos mal batidos; farinha de rosca; óleo. Como fazer: cortar o queijo coalho em cubos de 2 centímetros de espessura. Misture o molho de soja com o orégano e coloque o queijo para tomar gosto (mais ou menos 30 minutos). Escorra o queijo coalho do molho, passe pela farinha de trigo, ovos mal batidos e farinha de rosca e leva para fritar no óleo quente. Depois é só servir com molho tártaro ou maionese.

Fonte: Cartilha do Queijo de Maria Marluce Gomes

HIGIENE ASSEGURADA - Qualidade no momento da produção

Limoeiro do Norte. Tem morador do Vale do Jaguaribe que desistiu de comer queijo depois de visitar uma queijeira nos fundos de uma casa. Assim se dava quando ex-agricultores partiam para a produção sem qualquer conhecimento do assunto ou assistência técnica. A reportagem visitou, há três anos, uma fábrica similar no município. Muitas moscas num quarto insalubre, de trabalhadores suados e apenas de bermuda transportando baldes de leite para coalhar. Sentindo a responsabilidade da fama de seu queijo, a região criou associações de fabricantes e quase todas são assistidas por Sebrae, Ematerce e Embrapa. A melhora na qualidade e na higiene desde a extração do leite possibilitou a abertura de mercado para o produto em outras regiões e nos supermercados de Fortaleza.

Conforme o médico veterinário Antônio Carlos de Freitas, antigamente era maior o problema da falta de higiene nas casas de queijo, e agora as queijeiras têm assistência da Ematerce, do Sebrae, e o produto passa por análises da Embrapa. Ele afirma que o município de Jaguaribe produz, em média, 50 mil litros de leite por dia. Cerca de 90% são destinados a produzir queijo.

A especialização na produção de alimentos levou a tecnóloga Marta Rochele, a produzir o melhor queijo coalho industrial do Ceará, conforme o júri de degustadores do Festival de Leite (FestLeite) de Quixeramobim que analisaram amostras de queijo de todo o Ceará. Em suas duas pequenas fábricas, uma no Setor NH5 – onde mora - e outra no Sítio São Raimundo, duas localidades de Limoeiro do Norte, a empresária emprega seis pessoas, que ganham, em média, um salário mínimo. “Tenho muita preocupação com higiene, o ambiente tem que estar sempre limpo, todos com touca na cabeça e uniforme branco”, explica.

E como um bom queijo depende de um bom leite, a cobrança de higiene também recai nos produtores. Seja a ordenha mecânica ou manual, é imprescindível a assepsia das vacas antes da extração. “O leite do gado é reflexo do que ele come, então é necessária uma dieta balanceada”. Quando o leite chega na fábrica, passa por testes como o de Alisarol, que verifica se não há acidez no líquido. Os queijos de Rochele são vendidos em Limoeiro, Morada Nova e Fortaleza, este no qual tem ganhado a aceitação de supermercados, geralmente mais rigorosos que os do Interior na qualidade de alimentos perecíveis vendidos.

“A maior parte do queijo de Jaguaribe é vendida nos supermercados de Fortaleza”, destaca a presidente da Associação de Produtores de Leite e Queijo de Jaguaribe (Queijaribe), Ada Maria. Sua fábrica produz, diariamente, em torno de 300 quilos dos queijos coalho e mussarela “Rio Jaguaribe”.

Arranjos produtivos

Para adequar fábricas de leite às normas de vigilância sanitária, o Instituto Euvaldo Lodi do Ceará (IEL/CE) iniciou uma série de ações para adequar as 20 empresas integrantes do Programa de Apoio à Competitividade das Micro e Pequenas Indústrias (Procompi), do Arranjo Produtivo Local (APL) de Laticínios de Jaguaretama. Segundo a responsável técnica do IEL/CE, Ana Célia Siebra, os produtores são informados sobre as instruções normativas e resoluções que tratam dos requisitos a serem seguidos nos processos de coleta e de processamento do leite e queijo.

(Jornal Diário do Nordeste)